“Como é quando se apaixona? Querida, acho que nunca descobri.” (Blue Valentine)
Desta vez adentrarei um pouco a sétima arte – o cinema –, mais especificamente os dois filmes acima, uma vez que os vi recentemente e me inspiraram bastante. Blue Valentine é um filme americano que despertou imensos aplausos em Cannes e Toronto. “Em Um Mundo Melhor”, por sua vez, é o dinamarquês vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2011. Ambos são fortes, perturbadores e inquietantes, como os filmes devem ser. Cinema, para mim, não é só entretenimento, é uma forma de expressão, crítica, genialidade.
Comecemos por Blue Valentine. Ele deve ter levado muitos casais apaixonados ao cinema, pois o nome em nossa terra tupiniquim recebeu a tradução: “Namorados Para Sempre”. Muito romântico, não? Contudo, um filme que supostamente parece romântico pelo título, é um drama. A primeira cena do filme dá-se com uma criança gritando desesperadamente “Megan!”, o nome da cachorra que desapareceu, depois entra em casa, acorda o pai e, por conseguinte, ambos pulam sobre a mãe que dormia na cama. Parecia, inicialmente, uma família muito feliz.
Com o desenrolar da trama, porém, começamos a ver que não é bem assim. E, paulatinamente, a história torna-se cada vez mais envolvente e perturbadora. Simplesmente não conseguia tirar os olhos da tela, queria entender o porquê daquela tensão entre os dois, a esposa, Cindy, não me parecia tão apaixonada, ao contrário do marido, Dean. Este, por seu turno, numa tentativa de colocar o relacionamento nos eixos, convida-a para passar uma noite num motel, longe da cidade. A esposa cria resistência, no entanto cede ao pedido.
Pouco antes deste momento começam os flashbacks, aí podemos entender o presente de forma mais clara, como se conheceram e se casaram. O roteiro e as atuações, para mim, são os grandes trunfos deste drama, embora a câmera tenha ótima contribuição também, porque capta cenas de ângulos fascinantes, o que eleva a qualidade do filme. Enfim, dessa forma segue o filme – entrecortado de flashbacks e diálogos carregados –, impossível ser completamente impassível neste drama.
Blue Valentine faz-nos pensar até quando o amor existe, perguntarmo-nos várias vezes se ele realmente existe. Próximo ao final da película, vemos que eles se amaram em algum ponto do passado, mas Cindy não acompanhou este amor, perdeu-o no cotidiano, tornou-o banal até morrer, enquanto Dean continuava a nutrir o mesmo amor de outrora. A verdade é que, às vezes, parece-nos que Cindy aprendeu a gostar dele, aprendeu a amá-lo, nunca foi um amor de verdade. E depois do casamento o sentimento desapareceu, minguou.
Derek Cianfrance choca-nos com este filme, essa é a verdade. Ele contém cenas picantes e é bastante realístico, de tal maneira que em algumas cenas o amor de Dean era palpável, assim como a frieza de Cindy. Fazia-me pensar “e se este fosse meu casamento?” E aposto que todos aqueles que foram ao cinema ou assistiram em suas próprias casas, como foi meu caso, pensaram nisso, é impossível não pensar. Ver a degradação, passo a passo, de um casamento é duro, e assistimos a este, confortavelmente sentados, nem por isso relaxados. Blue Valentine não é um filme Hollywoodiano, por isto ninguém termina o filme em prantos de felicidade e dizendo “o amor é lindo”, choram sim, mas tendo a certeza de que “o amor pode ser o céu ou o inferno”. O amor aqui é real, machuca e conforta. Como escreveu o romancista francês Stendhal: “amor é uma rosa que se deve buscar a beira do precipício”, e Dean caiu neste precipício. A última cena da película é, permitam-me um pouco de licença poética, lindamente triste.
O dinamarquês “Em Um Mundo Melhor” é um drama que tem como ‘guia’ duas crianças. Mas antes de falar da trama faço um parêntese. O que há de melhor nesta película, para mim, é a fotografia cheia de cores vivas, quem assistiu sabe do que estou falando, impossível não se render e apreciar os campos, os moinhos, o céu e tudo mais. Obviamente que a fotografia não fez este filme vencer o Oscar, até porque o alemão “A Fita Branca”, de Michael Haneke, tinha também uma fotografia fantástica mesclada a uma película em preto e branco, mas perdeu para o argentino “O Segredo de Seus Olhos”, em 2010, que é um ótimo filme, diga-se de passagem. Vale ressaltar, ainda, que “Em Um Mundo Melhor” é a terceira vez na história do Oscar que a Dinamarca arremata a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro, e este país tem ótimos diretores, vide Lars Von Trier, um dos aclamados diretores da atualidade, diretor do polêmico e perturbador Antichrist e do excelente Dogville – estrelado por Nicole Kidman –, um filme extremamente inovador e filosófico.
Voltemos à trama. O início do filme passa-se na África, em um acampamento de uma espécie de “Médicos Sem Fronteiras”, uma camionete passa e uma multidão de crianças corre, sorridente, acenando, é um ótimo cartão de visitas aos telespectadores pela beleza da cena. Porém, o filme passa-se essencialmente em uma cidadezinha dinamarquesa, típica de interior, pacata, onde Elias e Christian tornam-se amigos. Elias vivia constantemente atormentado pelos colegas na escola, é o clássico bullying. Até que Christian espanca o responsável pelos maus tratos dirigidos ao novo amigo – Elias. Deste momento em diante a amizade entre ambos torna-se sólida. Aliás, preconceito, falta de comunicação e intolerância são os temas que permeiam o filme.
“Em Um Mundo Melhor” vemos, ainda, o drama da família de ambos os garotos, mas mais do que isso, vemos a violência que está em todos os cantos, desde a pacata cidade dinamarquesa até os confins da África. Percebemos como a falta de diálogo numa família é elemento gerador de discórdia; como um simples tapa no rosto dispara um desejo de vingança irreprimível e causador de desastres. Os filhos e seus pais não têm diálogos muito fluentes, há momentos em que as crianças chegam para conversar, mas os progenitores não dão muita importância e vice-versa.
O filme, pois, reflete de forma intensa uma realidade – a falta de comunicação entre as pessoas. E é justamente esta a grande causadora dos problemas no filme, o que não é dito fica reprimido nas crianças, e elas procuram de algum modo fazer justiça com suas próprias mãos, pois é mais fácil seguir seus pensamentos do que debaterem com seus pais, que também estão perdidos em seus problemas pessoais. E assim caminha a trama, da mesma forma que a humanidade – pais sem ouvir os filhos e estes, por sua vez, vivem a procurar um equilíbrio por si mesmos, em meio a um mundo violento e intolerante.
Susanne Bier conseguiu fazer um excelente trabalho neste “Em Um Mundo Melhor”, envolve-nos, e, a meu ver, mereceu o Oscar, embora seus outros concorrentes tenham sido fortes e também merecedores. “Biutiful”, provavelmente, não levou a estatueta pela melancolia pungente do primeiro ao último minuto – característica marcante dos filmes do Iñarritu –, mesmo com a brilhante atuação de Javier Bardem, mas isso não vem ao caso neste texto.
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