A longevidade e contemporaneidade de “1984”

“Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano para sempre.” (George Orwell – “1984”)

“1984” é a obra-prima – e última – do inglês George Orwell, tornou-se lida em todos os cantos do mundo; é comum, inclusive, nos cursos de Direito, Filosofia, Ciências Sociais, Jornalismo e História ser leitura obrigatória em algum momento da graduação. Mas qual o porquê de sua importância?

“1984” juntamente com “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, e “Adorável Mundo Novo”, de Aldous Huxley são considerados, nos meios literários, de a “santíssima trindade da ficção científica”. “Laranja Mecânica” foi transportado às telonas pelo magistral diretor Stanley Kubrick – o mesmo de “O Iluminado” e “2001: Uma Odisséia No Espaço” – e tornou-se um dos filmes mais célebres e cultuados do universo dos filmes cult, ao passo que “1984” não teve a mesma sorte na sétima arte. Nos meios literários, contudo, o livro de George Orwell é mais debatido e ovacionado por sua aterradora visão do futuro.

Orwell era um militante socialista, mas quando se lê suas obras parece-nos exatamente o contrário, vide este livro de que estamos falando e “A Revolução dos Bichos”. Este, diga-se de passagem, tem uma trama que se passa em uma fazenda, cujos personagens são porcos, galinhas, cães... enfim, uma bicharada. E toda narrativa, bem como os personagens são uma alusão ao socialismo stalinista sendo perfeitamente identificáveis Lênin, Stálin, Trotsky e muitos outros. “A Revolução dos Bichos” é também muito famosa, tanto que inspirou o álbum Animals (1977), do Pink Floyd.

Este escritor britânico traça críticas ácidas ao socialismo, porém, a bem da verdade, se não estivermos atentos à leitura, deixamos passar os nuances, de que a crítica não é em si ao socialismo marxista, mas ao que foi feito dele, isto é, ao totalitarismo imposto por Stálin e seus comparsas que castrava as individualidades e a liberdade, tanto quanto o Fascismo e o Nazismo. A história passa-se em um mundo totalmente socialista, no ano de 1984, e a personagem principal é um funcionário do Partido. O mais interessante, porém, reside no fato de que todas as casas, estabelecimentos, ruas, absolutamente tudo, continham uma rádio que transmitia notícias e músicas 24 horas por dia, era, além disso, impossível desligá-la – o máximo que se conseguia era reduzir o volume. E a maioria dos noticiários eram manipulados, mentirosos, e a população, tal qual um bando de ovelhas adestradas, acreditava piamente em tudo o que saía daquele aparelho.

Como se não bastasse, havia câmeras espalhadas por todos os lugares, o Partido monitorava as casas, os estabelecimentos, como também as ruas. Nada fugia ao seu controle. Nas ruas, ainda, o Grande Irmão, o líder máximo do Partido, era estampado em cada esquina, com seu rosto enorme fitava os cidadãos, e adjacente a sua foto vinha escrito – “O Grande Irmão observa você”. Ora, você já parou para pensar de onde veio o nome daquele programa tosco apresentado por Pedro Bial na rede Globo? Pois é, bem-vindo ao mundo de “1984”, o Big Brother foi inspirado neste livro, câmeras capturando vidas alheias 24h por dia, sem liberdade alguma, a diferença é que as personagens do livro sabem onde as câmeras estão localizadas.

Vocês ainda podem estar se perguntando o que este livro tem de tão importante... Orwell tentou, ao escrever o livro, mobilizar a humanidade para o enfrentamento da perda da liberdade, da perda da individualidade, do controle absoluto de um governo sobre uma população, uma nação. Indubitavelmente ele errou ao prever um mundo socialista, mas naquela época o socialismo pelo qual lutava era uma proposta muito mais sedutora – a despeito de não ser um socialismo marxista – que o velho capitalismo, e a expansão rápida daquele corroborava isso. O fato, todavia, é que, embora o sistema seja outro, há a mesma preocupação, os avanços tecnológicos exorbitantes podem ser usados para o controle da população e da perda de privacidade. A manipulação, por sua vez, é feita pela mídia, em que o povo nada percebe, como se vivesse na Matrix. A manipulação, no livro, era tamanha que a história era modificada devido às estratégias de controle mental sobre seu povo.

Na Europa, onde Orwell é muito lido e debatido, o uso de câmeras de vídeo nas ruas divide opiniões, as autoridades públicas alegam falta de segurança; a população, perda da liberdade. E você, o que acha? Será que o Governo utiliza a tecnologia com o intuito apenas de proteger seu povo? Por isso os escritos de Orwell soam como apocalípticos, eles descortinam um mundo à sua volta.

O livro todo gira em torno de três frases. “Guerra é paz”. Se um país está envolvido numa batalha o povo tende a estar unido ao Governo, e se ainda ela está fora de seus territórios, a paz é quase certa. Alguma semelhança ao imponente EUA? “Liberdade é escravidão”. Permitir que o povo pense ser livre é a melhor forma de escravidão. Fica a pergunta: somos livres? Claro que não, somos regulados pelo tempo, seguimos a dinâmica do sistema de que ‘tempo é dinheiro’; não somos escravos no sentido clássico, mas somos escravos assalariados, subservientes, nossas vontades basicamente seguem a lógica do sistema: trabalhar para comprar, comprar e comprar. Como se não bastasse isto, o uso de câmeras retira paulatinamente nossa privacidade em nome da segurança. E ninguém nota que a palavra liberdade é apenas uma fantasia. “Ignorância é força”. Uma nação manipulada é um presente a qualquer Governo, a qualquer multinacional, a qualquer classe dominante, para isso o trabalho da mídia é crucial.

Ora, li “1984” há cerca de cinco anos e foi uma ótima experiência, abriu meus olhos, daí vem a importância de lê-lo, porque nos alerta e tenta nos prevenir de uma realidade muito real, que se avizinha, mas não conseguimos normalmente notar, e nos entregamos sem lutar, pois cremos cegamente que um Governo só deseja o bem para seu povo. Se o mundo continuar a seguir a lógica atual, “1984” pode ser considerado, sem dúvidas, um livro apocalíptico.