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quinta-feira, 24 de março de 2011

A Era da Auto-Ajuda e dos “Fast-Foods” literários


'Isso acontece a todos. O homem casa, ama um pouco, trabalha. Trabalha tanto que se esquece de amar.' (Albert Camus*)

O mundo moderno baseia-se na incessante corrida contra o relógio. Inclusive nós, estudantes de medicina, estamos a todo o momento perdidos nessa correria cotidiana, de tal maneira que muitas vezes nem conversamos o quanto gostaríamos com nossos próprios amigos de turma. Deixamo-nos levar, seguimos o fluxo do sistema. Porém, não estamos perdidos sozinhos nessa onda, olhem nossos pais, olhem nossos amigos, olhem as pessoas nas ruas. O intuito final disso é apenas um – dinheiro. Querendo ou não, cada um que povoa este planeta vive em função de melhorar seu poder aquisitivo, porque esse é o apelo, é isso que o sistema nos incutiu, somos máquinas de ganhar dinheiro.

Essa questão reflete-se, inclusive, na literatura. Todo ano surge pelo menos uma dezena de livros pré-fabricados, como se fosse uma linha de montagem e de “fast-food”. Quantos livros aos moldes de “O Código da Vinci” surgiram? Muitos. E olha que Dan Brown é, no máximo, um escritor mediano; o diferencial dele reside em fazer tramas que rendem muito em sua conta bancária. E a saga “Crepúsculo”? Isso se tornou uma febre entre as crianças e os adolescentes! Ou se achar melhor, uma praga... “Bem, pelo menos esses autores estão milionários”, alguns de vocês devem estar pensando. De fato estão, parabéns a eles, conseguiram o que queriam. Com efeito, livros desse tipo estouram, são os mais vendidos, os mais lidos, os mais badalados. Então, para que alguém escreverá algo realmente bom se as vendas não serão suficientemente boas? Além disso, muitas editoras preferem investir em escritores medianos, cujas tramas são envolventes e de fácil digestão, a escritores reflexivos, mais complexos. Essa é a era do “fast-food” literário! Para quê comer algo orgânico se temos um Mc Donald’s na esquina? Para quê ler Guimarães Rosa se podemos ler “Crepúsculo”? É tão mais fácil, é tão mais na moda. As pessoas não desejam livros que induzem raciocínio, que sejam muito descritivos, cuja trama desenrola lentamente e, ao mesmo tempo, tão bem amarrada e rica em detalhes. Isso explica o fato de, por exemplo, a monumental obra de Proust, “Em Busca do Tempo Perdido”, não ser devidamente apreciada, mesmo sendo considerado um dos livros mais bem feito pelo gênero humano. Desse modo, o sonho de consumo desta Era é, entre outros, os livros caricatos de Dan Brown; a bobinha saga vampiresca na qual há um vampiro bonzinho que arranca suspiros enamorados das tolas leitoras; e os livros vazios de Paulo Coelho.

A pior praga desta Era, entretanto, está na sessão “Auto-Ajuda”. Olhem uma das proezas que ela nos proporciona:

Na vida fazemos escolhas. Em toda escolha há perdas." (Augusto Cury)

“Com as perdas só há um jeito: perdê-las. Com os ganhos o proveito é saborear cada um como uma boa fruta da estação.” (Lya Luft)

“Cada um é o único responsável pelas suas próprias necessidades. Só quem se ama pode encontrar em sua vida Um Amor de Verdade.” (Zibia Gasparetto)

“Acredita que vale a pena viver, e a tua convicção ajudará a criar esse fato.” (William James)

É uma quantidade de clichês e de frases feitas que causam asco. A pergunta é: por que uma pessoa lê esse tipo de coisa? Ora, esbarramos no problema da sociedade moderna, uma sociedade doente, em que até mesmo palavras como “muito obrigado” estão cada vez mais escassas. Na correria diária, como comentei no início do texto, esquecemos do outro e até de nós próprios. Estamos, paulatinamente, perdendo nossa vida interior em busca do capital. Assim, essas frases, por mais ridículas que sejam, têm um efeito avassalador em indivíduos pobres de espírito e naqueles que vivem em ‘ambientes’ gélidos; isto é, em famílias que não trocam gestos de afeto; em amizades frágeis; e em relacionamentos cujas palavras carinhosas são vagas e imprecisas. É de se compreender, portanto, que uma pessoa que viva assim busque ansiosamente palavras repousantes, mesmo que óbvias e toscas. E a necessidade por esses ‘livros de ensinamentos’ é cada vez maior...

Enfim, a Era da auto-ajuda e dos “fast-foods” literários é obra de uma sociedade que busca uma identidade interior, mas sem querer perder a quantidade, pois esta é uma das marcas incontestáveis do mundo atual no qual o que vale realmente é o número de carros na garagem, o número de ‘amigos’ no orkut, a quantidade de dinheiro na conta bancária, o número de pessoas com quem ficamos em uma noite ou, se preferir, em uma tarde de micareta... E o dia em que um Nobel de Literatura parar em mãos de escritores medíocres da estirpe de Paulo Coelho, Dan Brown e companhia – que escrevem com o único intuito de se enriquecerem, em detrimento da já tão escassa qualidade –, o mundo estará definitivamente perdido.

*Albert Camus foi um escritor de cunho existencialista do século XX, recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1957, é autor dos aclamados “O Estrangeiro” e “A Peste".

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